segunda-feira, 31 de agosto de 2015

E agora José?

“A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, José?

Está sem mulher,
Está sem discurso,
Está sem carinho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou
O dia não veio,
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
Sua incoerência,
Seu ódio e agora.

Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse,
A valsa vienense,
Se você dormisse,

Se você cansasse,
Se você morresse.
Mas você não morre,
Você é duro, José!

Sozinho no escuro
Qual bicho do mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope.”

(Carlos Drummond de Andrade. Nasceu em 1902, em Itabira, Minas Gerais. Foi poeta, cronista e contista)

 

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