segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O futuro chegou

"Foi um segundo. Um milímetro de olhar. Suado pela ginástica, meu filho entrou em casa carregando sua mesma expressão de bebê.
O mesmo conjunto de olhos, sobrancelhas, nariz e boca, ignorando o zunido do tempo veloz em meu ouvido, me faziam crer que meu bebê ainda estava ali. Não foi só uma nostalgia de mãe, saudosa de sua mãozinha em meu pescoço, foi uma epifania do tempo.
Podia não ser meu filho. Era uma pessoa escancarando as fases de si agora. Um desses instantes que nos pegam de surpresa no meio do dia, quando parecemos compreender toda a existência. Meu filho de quase 18 estava ali com sua cara de bebê de uma ano e já tinha sido um dos grandes de 14. 
Os "grandes de 14" era uma expressão usada por mim e meu irmão para designar uma turma de meninos muito maiores que nós, que moravam em nossa rua, mas com os quais jamais nos atrevíamos a trocar palavras. Eles eram os grandes de 14 e nós, os mínimos de 7 ou 8. 
Por incrível que pareça, apesar de eu ser agora uma enorme de 50, ainda trago em mim aquela que passava apressada pelo muro de pedra, tentando ignorar suas assustadoras pernas peludas penduradas.
Um dia eu seria uma grande de 14. Fui. E nem me dei conta. Continuei a ser a mínima de 7 e agora olho meu filho entrando pela porta e me assusto com o futuro que espalha todas as épocas. Aos meus 7 ou 8, eu tinha previsões para meus grandes 14 e jamais pensaria existir intacta em minha enorme de 50. É incrível. Cá estou.
Sempre me assustei com o tempo. Não falo do susto básico do seu passar, as crianças que voam em centímetros, os cabelos que caem e embranquecem, a pele flácida. Me assusto quando chega a tal da quinta-feira. Você anota na agenda: quinta-feira, dia 23. E ela simplesmente chega. Enquanto está lá, anotada, ela é uma simples projeção de futuro. Uma coisa no breu das ideias. E, de repente, ela aparece, formalizando algo de tudo que foi projetado. A partir dali, vira uma quinta-feira concreta, até que mais um tempo passe sobre ela fazendo o favor de devolvê-la ao campo das ideias, onde recuperará seu tecido fluido, feito de memória ou do que cada um quiser inventar de seu passado.
Meu susto daquele dia foi perceber a chegada do futuro. Já fugaz, como um passado inventado."

Denise Fraga


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